Mapeando a violência e intimidação contra mulheres defensoras dos direitos baseados no sexo e/ou que não subscrevem à teoria da identidade de gênero

[O presente relatório foi enviado para divulgação nos seguintes veículos da mídia progressista: Outras Palavras, Gênero e Número, AzMina, Brasil 247, Revista Fórum, Opera Mundi, El País, Brasil de Fato, A Pública, The Intercept, Revista Piauí, Revista Cult, Revista Ela (O Globo), Universa (UOL) e Le Monde Diplomatique. Não obtivemos resposta de nenhum.]

No início deste ano, a Relatora Especial da ONU sobre Violência Contra Meninas e Mulheres, Reem Alsalem, anunciou visita ao Brasil marcada para o mês de agosto, convidando mulheres e suas organizações a contribuírem com informações sobre a violação de direitos de mulheres e meninas no país. Com essa notícia, a Correnteza Feminista, em parceria com o Coletivo Sociedade Matriarcal, e com apoio de mais onze organizações feministas brasileiras, nos motivamos a articular um mapeamento da violência contra mulheres feministas, especificamente aquela motivada pela defesa dos direitos baseados no sexo, ou pela não adesão à teoria da identidade de gênero. Com a entrega dos resultados à relatora, esperávamos abrir uma via de diálogo com a mesma e, através dela, com o próprio governo brasileiro, reivindicando que órgãos como o Ministério das Mulheres e Ministério dos Direitos Humanos reconheçam o problema, além de fomentar o debate público sobre o tema.

No dia 22 de maio, Reem Alsalem enviou uma declaração à ONU em que advertiu acerca de violência contra as mulheres e a intimidação contra as pessoas por expressarem pontos de vista divergentes acerca de sexo, gênero e identidade de gênero e afirmou que está vendo as liberdades de expressão e de organização de mulheres serem cerceadas. Ela afirma: “Estou profundamente preocupada com a escalada de ameaças e intimidação contra mulheres e meninas por expressarem suas opiniões e crenças a respeito de suas necessidades e direitos baseados em seu sexo e/ou orientação sexual. […] Estou preocupada sobre o espaço cada vez menor disponível para mulheres e organizações de mulheres para organizarem e/ou expressarem suas opiniões pacificamente em diversos países do Norte Global”.

A declaração gerou uma reação global, articulada por organizações alinhadas à agenda transativista, que acusam a atuação de Alsalem de ser “anti-trans” e pedem que seu mandato como relatora seja interrompido. A carta aberta elaborada pela AWID (Association for Women’s Rights Development) declara que Alsalem teria “instrumentalizado a “proteção dos direitos das mulheres” para defender posições que deturpam e fazem retroceder normas e padrões internacionais”, uma vez que a defesa dos direitos das mulheres com base no sexo “diverge do entendimento científico de que sexo é socialmente construído”.

Não há nada desatualizado ou não científico na natureza binária do sexo, e os signatários dessa carta poderiam procurar biólogos para conversar sobre isso – afirmou Reem Alsalem em sua declaração em resposta à AWID e demais signatários, na qual a relatora defende também que a carta da AWID tem como objetivo puní-la e silenciá-la, “um destino que muitas mulheres, meninas e seus aliados pelo mundo todo continuam a experienciar quando eles falam sobre as questões de sexo, gênero e identidade de gênero”.

Em junho, 781 organizações e mais de 1600 indivíduos de mais de 60 países assinaram uma carta em apoio a Reem Alsalem, manifestando preocupação pelos ataques contínuos (dos quais a carta da AWID fez parte) contra a relatora por fazer o que o Conselho de Direitos Humanos da ONU a encarregou de fazer.

Nesse sentido, o mapeamento aqui divulgado teve como objetivo fornecer à relatora informações sobre o contexto nacional, bem como compartilhar experiências, acerca desse cerceamento enfrentado por mulheres e meninas no Brasil. Após a coleta e análise de informações das mais de 350 mulheres de todas as regiões do país que se dispuseram a responder a pesquisa apesar dos frequentes relatos de medo e da elaboração do relatório através de um intenso trabalho voluntário e coletivo, no dia 16 de junho o trabalho final foi enviado para o canal oficial da relatora.

No dia 20 de julho, através do X, Reem Alsalem anunciou que o governo brasileiro adiou indefinidamente a sua visita ao país. “Lamento muito que o governo do Brasil adiou minha missão ao país que estava marcada para acontecer a partir de 31 de julho de 2023. Eu estarei em contato com o governo através da Missão do Brasil Junto à ONU em Genebra para identificar novas datas. Mantenho o compromisso de realizar essa importante visita ainda esse ano e espero que juntos possamos fazê-la acontecer.”

Nenhum anúncio ou resposta pública foi dada pelo governo brasileiro. Nem o Ministério das Mulheres, nem qualquer outro órgao competente, até então, se pronunciou a respeito do cancelamento ou de uma possível remarcação da visita da Relatora Especial sobre Violência Contra Meninas e Mulheres.

Fizemos novo contato com Alsalem em busca de informações sobre o cancelamento de sua visita. Ao que tudo indica, a relatora também não recebeu maiores explicações. Uma carta teria sido enviada ao governo brasileiro ainda no mês de julho com novas propostas de datas.

Ainda que o objetivo inicial deste trabalho de mapeamento tenha se desarticulado frente às circunstâncias, o mesmo segue sendo pertinente para retirar da obscuridade os relatos cada vez mais frequentes de cerceamento, perseguição política, ameaças e violências contra mulheres que discutem suas questões tendo como base o sexo e que não aderem à teoria pós-moderna do gênero. A interdição do debate historicamente feminista acerca de sexo, gênero e orientação sexual e as graves violações de direitos humanos que meninas e mulheres vêm sofrendo ao tentar se posicionar pacificamente dentro deste debate são as principais motivações para a elaboração deste mapeamento.

Os dados apresentados no mapeamento foram levantados por meio de formulário digital divulgado nas redes sociais da Correnteza Feminista, Coletivo Sociedade Matriarcal e organizações apoiadoras. Em termos de metodologia, a pesquisa foi realizada através do método de amostragem-por-conveniência, que atende ao objetivo principal do mapeamento, a saber, identificar o perfil das vítimas e colher relatos de violência; não propondo, portanto, o levantamento de dados percentuais gerais.

Agradecemos à coragem das 367 mulheres que responderam a pesquisa e das 13 organizações de mulheres envolvidas na elaboração, divulgação e publicação da mesma, e esperamos que este seja mais um passo para pôr fim ao silenciamento; para que, enquanto mulheres e feministas, possamos falar sem medo.

Publicado em ,

Deixe um comentário

Blog no WordPress.com.